segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

TESE DE MESTRADO NA USP por um PSICÓLOGO

'O HOMEM TORNA-SE TUDO OU NADA, CONFORME A EDUCAÇÃO QUE RECEBE'

'Fingi ser gari por 8 anos e vivi como um ser invisível'

Psicólogo varreu as ruas da USP para concluir sua tese de mestrado da'invisibilidade pública'. Ele comprovou que, em geral, as pessoas enxergam apenas a função social do outro.
Quem não está bem posicionado sob esse critério, vira mera sombra social.
Plínio Delphino, Diário de São Paulo.
O psicólogo social Fernando Braga da Costa vestiu uniforme e trabalhou oito anos como gari, varrendo ruas da Universidade de São Paulo. Ali, constatou que, ao olhar da maioria, os trabalhadores braçais são 'seres invisíveis, sem nome'. Em sua tese de mestrado, pela USP, conseguiu comprovar a existência da 'invisibilidade pública', ou seja, uma percepção humana totalmente prejudicada e condicionada à divisão social do trabalho, onde enxerga-se somente a função e não a pessoa. Braga trabalhava apenas meio período como gari, não recebia o salário de R$ 400 como os colegas de vassoura, mas garante que teve a maior lição de sua vida:
'Descobri que um simples bom dia, que nunca recebi como gari, pode significar um sopro de vida, um sinal da própria existência', explica o pesquisador.
O psicólogo sentiu na pele o que é ser tratado como um objeto e não como um ser humano. 'Professores que me abraçavam nos corredores da USP passavam por mim, não me reconheciam por causa do uniforme. Às vezes, esbarravam no meu ombro e, sem ao menos pedir desculpas, seguiam me ignorando, como se tivessem encostado em um poste, ou em um orelhão', diz. No primeiro dia de trabalho paramos pro café. Eles colocaram uma garrafa térmica sobre uma plataforma de concreto. Só que não tinha Caneca. Havia um clima estranho no ar, eu era um sujeito vindo de outra classe, varrendo rua com eles. Os garis mal conversavam comigo, alguns se aproximavam para ensinar o serviço. Um deles foi até o latão de lixo pegou duas latinhas de refrigerante cortou as latinhas pela metade e serviu o café ali, na latinha suja e grudenta. E como a gente estava num grupo grande, esperei que eles se servissem primeiro. Eu nunca apreciei o sabor do café. Mas, intuitivamente, senti que deveria tomá-lo, e claro, não livre de sensações ruins. Afinal, o cara tirou as latinhas de refrigerante de dentro de uma lixeira, que tem sujeira, tem formiga, tem barata, tem de tudo. No momento em que empunhei a Caneca improvisada, parece que todo mundo parou para assistir à cena, como se perguntasse: 'E aí, o jovem rico vai se sujeitar a beber nessa Caneca?' E eu bebi.
Imediatamente a ansiedade parece que evaporou. Eles passaram a conversar comigo, a contar piada, brincar.
O que você sentiu na pele, trabalhando como gari?
Uma vez, um dos garis me convidou pra almoçar no bandejão central. Aí eu entrei no Instituto de Psicologia para pegar dinheiro, passei pelo andar térreo, subi escada, passei pelo segundo andar, passei na biblioteca, desci a escada, passei em frente ao centro acadêmico, passei em frente a lanchonete, tinha muita gente conhecida. Eu fiz todo esse trajeto e ninguém em absoluto me viu. Eu tive uma sensação muito ruim. O meu corpo tremia como se eu não o dominasse, uma angustia, e a tampa da cabeça era como se ardesse, como se eu tivesse sido sugado. Fui almoçar, não senti o gosto da comida e voltei para o trabalho atordoado.
E depois de oito anos trabalhando como gari? Isso mudou?
Fui me habituando a isso, assim como eles vão se habituando também a situações pouco saudáveis. Então, quando eu via um professor se aproximando - professor meu - até parava de varrer, porque ele ia passar por mim, podia trocar uma idéia, mas o pessoal passava como se tivesse passando por um poste, uma árvore, um orelhão. E quando você volta para casa, para seu mundo real? Eu choro. É muito triste, porque, a partir do instante em que você está inserido nessa condição psicossocial, não se esquece jamais. Acredito que essa experiência me deixou curado da minha doença burguesa. Esses homens hoje são meus amigos. Conheço a família deles, frequento a casa deles nas periferias. Mudei. Nunca deixo de cumprimentar um trabalhador.
Faço questão de o trabalhador saber que eu sei que ele existe. Eles são tratados pior do que um animal doméstico, que sempre é chamado pelo nome. São tratados como se fossem uma 'COISA'.

*Ser IGNORADO é uma das piores sensações que existem na vida!

Respeito: passe adiante!

sábado, 17 de janeiro de 2009

A Divisão Territorial do Trabalho.

Quando a sociedade humana começa a interferir na paisagem natural modificando-a de acordo com suas necessidades e não mais apenas aproveitando o que esta lhe oferecia, criando outros gêneros de vida além do extrativo, tais como o pastoril e o agrícola, começa a haver a fixação desta sociedade em determinados locais que lhes eram favoráveis.
Mas a divisão do trabalho só surgirá quando aqueles que produzem, sentindo-se ameaçados por invasores que vinham em busca da produção e das boas condições existentes no local, solo fértil, água potável entre outras, concordaram em produzir além de suas necessidades de sobrevivência para que outros se encarregassem da proteção e, sentindo-se impotentes contra a fúria da natureza, que, de tempos em tempos, lhes ceifava vidas e lhes destruía ou impedia a produção de alimentos, acharam justo que uma parte deste excedente de produção fosse destinada a alguns que lidassem apenas com o culto aos deuses.
A cidade surge quando os “soldados” se reúnem em fortificações e os religiosos em templos e mosteiros, ao redor dos quais outras habitações, a dos servos especializados, que igualmente deixaram de ser produtores diretos, são edificadas.
Com a instituição da propriedade privada, até então tudo era apropriado em comum, consolidam-se as classes sociais e a luta de classes, que, por sua vez, faz surgir o Estado cuja função é a de atenuar o choque entre ricos e pobres, protegendo o direito à propriedade.
Nesse ínterim, a cidade diferencia-se enormemente do campo, conforme Singer (1978):

A cidade não inventa o comércio, mas muda-lhe o caráter, transformando-o de mero escambo irregular de excedentes agrícolas em intercâmbio regular de bens de luxo, em geral manufaturados. Com a cidade surge a produção regular e especializada de bens mais sofisticados (amuletos, jóias, armas) de cujo intercâmbio generalizado se destaca uma mercadoria que, pouco a pouco, se transforma em equivalente geral de todas as outras, tornando-se moeda, e é a troca monetária que finalmente torna possível a ampliação da divisão social do trabalho...
...A constituição da cidade é, ao mesmo tempo, uma inovação na técnica de dominação e na organização da produção.

As novas técnicas criadas pela cidade, tais como a roda, diminuem distâncias, dominam outros territórios antes impróprios à produção (drenagem de pântanos, irrigação de terras secas etc.) e impõem modas de vestuário, despersonalizando o campo para torná-lo dependente dos produtos manufaturados.
Moreira (1998) faz referência ao surgimento dos três modos de produção, que, nesta transição, aglutinam os gêneros de vida:

· Modo de produção asiático: comunidades de aldeia circundadas pelos campos, dominadas por uma comunidade superior, em geral com uma cidade central.
· Modo escravista: latifúndios no campo, poder centralizado fortemente na elite urbana.
· Modo feudal: paisagem atomizada e celularmente arrumada em anéis concêntricos do feudo, cada anel diferenciando-se do outro por sua atividade de produção específica (pomares, cereais, gado comunitário, reserva florestal, na ordem do afastamento da aldeia central), o conjunto compondo o domínio territorial inconteste do senhor
.

A partir do momento em que o excedente de produção é apropriado pela elite urbana, não mais apenas como valor de uso, subsistência, mas como valor de troca, mercadoria, a cidade transforma-se em centro de produção, surge uma nova classe de “produtores urbanos”, outrora trabalhadores rurais, que será explorada por uma nova classe dominante que acumula “riqueza móvel”, os comerciantes. Segundo Singer (1978):

Nesta fase, a cidade deixa de ser meramente a sede da antiga classe dominante para tornar-se o centro de uma nova classe rival de mercadores, usurários, especuladores, coletores de impostos etc. (...) Tudo isso colocou pressupostos sociais e econômicos que possibilitaram um notável avanço das forças produtivas.


A necessidade cada vez maior de novos mercados força a união de várias cidades-estado formando impérios, no interior dos quais surgirá a divisão regional do trabalho devido à criação de especializações produtivas em cada local, as quais nascem interdependentes entre si de modo a manter a unidade do território.
Com a acumulação de capital e com os avanços técnicos, surge a primeira revolução industrial que irá redefinir a divisão territorial do trabalho, atraindo o camponês para a cidade, gerando um verdadeiro esvaziamento do campo.
A imigração do campo para a cidade desliga o camponês de seu meio de produção, a terra, enquanto, simultaneamente, a técnica impõe ao artesão novos meios de produção mais sofisticados, dos quais ele não é mais o proprietário. Ambos são obrigados a alienar ou o fruto de seu trabalho, ou sua força de trabalho.
Segundo Moreira (1998):

A divisão territorial do trabalho é o esqueleto dessa arrumação do espaço industrial (...) aprofundando sua distinção pela diferença funcional. Doravante, campo é sinônimo de agricultura e pecuária. Fragmentação em múltiplos espaços especializados e diversificados de produção, que elevam a produtividade agrícola, liberam excedentes para a cidade e diminuem rapidamente sua população. Cidade é sinônimo de centro exclusivo da produção industrial e prestação de serviços. Ponto destacado na paisagem do território para onde e de onde fluem as linhas de comunicação e transporte.

Ainda segundo o autor, logo a indústria transporá para o plano mundial essa diferenciação cidade-campo, onde a cidade serão os países desenvolvidos e o campo os subdesenvolvidos, mas isso já é assunto para um próximo artigo, A Divisão Internacional do Trabalho.





Bibliografia.

Moreira, Ruy. O Tempo e a Forma (A sociedade e suas formas de espaço no tempo) in: Ciência Geográfica – Bauru IV Janeiro/Abril, 1998.)

Singer, Paul. À Guisa de Introdução: urbanização e classes sociais, in: Economia Política da Urbanização. São Paulo. Brasiliense, 1978, 5ª. Ed.

domingo, 4 de janeiro de 2009

Leitura do Mundo.

Aprendi que é preciso paciência;
que é preciso dar tempo ao tempo e
esperar que as sementes germinem;
que de troncos aparentemente mortos, brotam folhas.
Aprendi que tudo está relacionado;
que uma coisa faz parte da outra;
que nada está isolado do conjunto;
que a Providência a tudo alcança;
que o que parece tragédia é reconstrução;
que os solos mais férteis e prenhes de vida nascem da lava vulcânica;
que a harmonia sobrevive à sanha dos homens e constantemente lhes impõe lições;
que as pessoas são diferentes, muito diferentes, umas das outras e que esse é o natural;
que nada está estático, pois até as rochas estão em movimento;
que não existe o feio, a não ser na concepção humana,
que a morte é o início da vida nova e que portanto não existe um final que não seja relativo;
que o mais perfeito sitema de dominação sempre deixa brechas,
que a vida é muito forte e flores nascem nas rachaduras do asfalto.
Aprendi que é sempre bom revermos aquilo que estamos cansados de rever
pois cada vez mais estaremos habilitados a enxergar o novo que há em nós.