sábado, 19 de fevereiro de 2011

Rodovia, técnica e violência.

Segundo Milton Santos, as técnicas são um conjunto de meios instrumentais e sociais com os quais o homem realiza sua vida, produz e, ao mesmo tempo, cria espaço (Santos, 1996). São as técnicas que possibilitam ao homem impor sua vontade e seus objetivos sobre os ditames da natureza.

A partir da conceituação, temos que, ainda segundo Santos, o surgimento de uma nova técnica implica a reconstrução do espaço original com a refuncionalização do sistema de objetos naturais e artificiais em decorrência da alteração do sistema de ações.

Nesse ínterim, a rodovia, assim como a ferrovia, é uma técnica que ao instalar-se altera a apropriação econômica do meio natural e artificial pré-existentes; a ocupação humana; os transportes; as distâncias; o tempo; a percepção do espaço vivido gerando, segundo Gallais 1977 p. 4 citado por Corrêa 1992 p. 32, “uma cadeia relativamente neutra de unidades quilométricas” que, de acordo com Corrêa, ao eliminar certas especificidades do meio e estruturar-se com base na homogeneidade cultural imposta pela indústria, altera a concepção de espaço e tempo, antes concebidos descontinuamente, com bloqueios ou cortes brutais (Corrêa 2008 p. 32). Para um maior aprofundamento da discussão sobre diferentes concepções de tempo e espaço vide Harvey 2009 cap. 13.

A rodovia é por natureza estranha ao lugar. Muitas vezes dilacerante e mutiladora do espaço vivido, violentamente insere-se no cotidiano local impondo mudanças no traçado original das vias de circulação locais, demolição de prédios etc. que foram constituídos histórica e dialeticamente entre sociedade e meio. A rodovia é, nesse sentido, uma ruptura com o tempo e o espaço construídos pela sociedade local, uma vez que traz um ritmo externo à vida comunitária e violenta suas formas de manifestações espaciais que buscavam paralisar exatamente o fluxo do tempo (Harvey, 1992 p. 191 citação de Karten Harries). A rodovia é a vitória do fluxo sobre a forma, do dionisíaco sobre o apolíneo de Nietzsche, da fluidez sobre a fixidez, do passageiro sobre o “eterno”.









Bibliografia:



CORRÊA, R. L. Geografia: conceitos e temas. 11ª ed. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2008. Espaço, um Conceito-chave da Geografia.



HARVEY, David. Condição Pós-moderna. Uma Pesquisa sobre as Origens da Mudança Cultural. 18ª ed. São Paulo. Ed. Loyola, 1992.



SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço. Técnica e Tempo. Razão e Emoção – 4ª ed. 2ª reimpr. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006 – (Coleção Milton Santos, 1).

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